A Tradição Viva da Igreja: Reflexões sobre a Tradição na Igreja Veterocatólica no Brasil
A Tradição Viva da Igreja: Reflexões sobre a Tradição na Igreja Veterocatólica no Brasil
Por Dom Jailson Rodrigues Ferreira, Bispo da Diocese Veterocatólica de Natal – Igreja Veterocatólica no Brasil
Introdução
A tradição é o alicerce sobre o qual se ergue a Igreja de Cristo. Desde os primeiros séculos do cristianismo, a transmissão fiel dos ensinamentos apostólicos tem sido o fio condutor que une gerações de fiéis em uma mesma fé, esperança e caridade. No contexto da Igreja Veterocatólica no Brasil, essa tradição assume um papel ainda mais relevante, pois é nela que se encontra a identidade, a missão e a razão de ser desta expressão eclesial.
A Igreja Veterocatólica, embora muitas vezes confundida com outras denominações cristãs, possui uma história rica, marcada por fidelidade à fé apostólica, ao mesmo tempo em que busca responder aos desafios contemporâneos com discernimento e fidelidade ao Evangelho. Neste artigo, refletiremos sobre a tradicionalidade da Igreja, com especial atenção à sua manifestação na Igreja Veterocatólica no Brasil, destacando suas raízes, sua evolução e sua missão no mundo atual.
1. A Tradição como Fundamento da Igreja
A palavra "tradição" vem do latim traditio, que significa "entregar", "transmitir". No contexto cristão, refere-se à transmissão viva da fé, dos ensinamentos, dos sacramentos e da vida comunitária desde os tempos apostólicos até os dias de hoje. A tradição não é um conjunto de práticas ultrapassadas, mas sim a continuidade da presença de Cristo na história, por meio da ação do Espírito Santo na vida da Igreja.
A Igreja, desde sua fundação por Jesus Cristo, é por natureza tradicional. Ela nasce da entrega dos apóstolos, que, por sua vez, receberam diretamente do Senhor os ensinamentos e os transmitiram às gerações seguintes. Essa cadeia ininterrupta de fé é o que garante a autenticidade da doutrina cristã e a unidade da Igreja ao longo dos séculos.
2. A Igreja Veterocatólica: Origem e Identidade
A Igreja Veterocatólica tem suas raízes no movimento dos "velhos católicos" (Altkatholiken) surgido na Europa, especialmente na Holanda, Alemanha e Suíça, no século XIX. Este movimento nasceu como uma reação à definição do dogma da infalibilidade papal proclamado no Concílio Vaticano I (1870), que muitos consideraram uma inovação teológica sem respaldo na tradição apostólica.
Os velhos católicos não rejeitaram a fé católica, mas buscaram manter-se fiéis à tradição mais antiga da Igreja, anterior às inovações doutrinárias que, segundo eles, não estavam em consonância com os ensinamentos dos primeiros séculos do cristianismo. Assim, formou-se uma comunhão de Igrejas que preservavam a sucessão apostólica, os sacramentos, a liturgia tradicional e a estrutura episcopal, mas com uma abordagem mais sinodal e colegiada da autoridade eclesiástica.
No Brasil, a Igreja Veterocatólica encontrou terreno fértil para florescer, especialmente entre aqueles que buscavam uma vivência mais autêntica da fé católica, livre de excessos autoritários e aberta ao diálogo com a realidade local. A Igreja Veterocatólica no Brasil, portanto, é herdeira dessa tradição primitiva, mas também é fruto do contexto cultural, social e espiritual brasileiro.
3. A Tradição Primitiva e a Modernidade
É importante compreender que a tradição da Igreja não é estática, mas dinâmica. Ela não é um museu de relíquias do passado, mas uma fonte viva que alimenta a fé do povo de Deus em cada tempo e lugar. A Igreja Veterocatólica, embora profundamente enraizada na tradição primitiva da Igreja, não se fecha ao mundo moderno. Pelo contrário, busca dialogar com os desafios contemporâneos à luz da fé recebida dos apóstolos.
Mesmo os velhos católicos da Holanda, conhecidos por sua abertura ao liberalismo teológico e pastoral, não romperam com a tradição, mas procuraram reinterpretá-la à luz das novas realidades. Essa tensão entre tradição e modernidade é uma constante na história da Igreja. O próprio Concílio Vaticano II, embora não aceito oficialmente pelas Igrejas Veterocatólicas, reconheceu a necessidade de uma "aggiornamento", ou seja, uma atualização da linguagem e das práticas da Igreja, sem romper com sua essência.
Na Igreja Veterocatólica no Brasil, essa tensão se manifesta de maneira particular. Por um lado, há um profundo respeito pela liturgia tradicional, pela doutrina dos primeiros concílios ecumênicos, pela sucessão apostólica e pelos sacramentos. Por outro lado, há uma abertura pastoral que busca acolher os fiéis em suas realidades concretas, promovendo uma Igreja mais próxima, mais humana e mais misericordiosa.
4. A Tradição como Caminho de Fidelidade
Ser tradicional não significa ser retrógrado. A verdadeira tradição é aquela que permanece fiel à essência do Evangelho, mesmo quando os ventos da cultura sopram em direções contrárias. A Igreja Veterocatólica no Brasil entende que sua missão é ser guardiã da fé apostólica, mas também ser profeta em meio ao povo, anunciando a Boa Nova com coragem e compaixão.
Essa fidelidade à tradição se expressa de diversas formas:
- Na celebração da liturgia com reverência e beleza, respeitando os ritos herdados da Igreja antiga.
- Na formação teológica sólida, baseada nas Escrituras, nos Padres da Igreja e no Magistério dos primeiros séculos.
- Na vida sacramental autêntica, que alimenta a alma dos fiéis e os fortalece na caminhada cristã.
- Na estrutura episcopal colegiada, que valoriza a comunhão entre os bispos e a participação do povo de Deus nas decisões eclesiais.
5. A Tradição e a Realidade Brasileira
A Igreja Veterocatólica no Brasil não é uma cópia da Igreja europeia. Ela é uma expressão autêntica da fé católica no solo brasileiro, com suas riquezas culturais, seus desafios sociais e sua espiritualidade popular. A tradição, neste contexto, não é apenas uma herança recebida, mas também uma semente plantada que floresce de maneira única em cada realidade.
O povo brasileiro é profundamente religioso, sensível ao sagrado e aberto à experiência de Deus. A Igreja Veterocatólica busca responder a essa sede espiritual com uma proposta de fé enraizada na tradição, mas também encarnada na vida do povo. Isso se manifesta, por exemplo, na valorização das festas populares, das devoções marianas, da música litúrgica brasileira e da pastoral social.
6. Desafios e Esperanças
Como toda expressão eclesial, a Igreja Veterocatólica no Brasil enfrenta desafios. Entre eles, destacam-se:
- A necessidade de maior visibilidade e reconhecimento no cenário religioso nacional.
- A formação contínua do clero e dos leigos, para que possam testemunhar com autenticidade a fé que professam.
- O diálogo ecumênico e inter-religioso, que exige abertura e discernimento.
- A fidelidade à tradição em meio às pressões do relativismo e do secularismo.
No entanto, há também muitas esperanças. A Igreja Veterocatólica tem crescido em diversas regiões do Brasil, atraindo fiéis que buscam uma vivência mais profunda da fé católica. As comunidades são vivas, acolhedoras e comprometidas com o Evangelho. Os bispos e sacerdotes, embora muitas vezes com recursos limitados, dedicam-se com zelo à missão pastoral. E, sobretudo, o Espírito Santo continua a conduzir a Igreja, como prometido por Cristo.
7. Conclusão: Tradição como Vida
A tradição da Igreja não é um peso, mas uma dádiva. É o tesouro que recebemos dos apóstolos e que somos chamados a transmitir às futuras gerações. A Igreja Veterocatólica no Brasil, fiel a essa tradição, busca ser uma presença viva do Evangelho no mundo de hoje.
Como disse São Vicente de Lérins no século V, a verdadeira fé é aquela que foi crida "em toda parte, sempre e por todos". Essa é a fé que a Igreja Veterocatólica professa, celebra e vive. Uma fé que não se curva às modas passageiras, mas que também não se fecha ao sopro do Espírito. Uma fé que é, ao mesmo tempo, antiga e sempre nova.
Que possamos, como membros desta Igreja, ser fiéis à nossa vocação de guardiões da tradição, sem deixar de ser construtores do futuro. Que a Virgem Maria, Mãe da Igreja, nos acompanhe neste caminho de fidelidade, esperança e amor.

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